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TEMPERATURA GRANULAR


Por Paulo Rodrigues

    Certo dia, um astrônomo ao ligar o rádio, se depara com o locutor narrando em tempo real a queda de temperatura naquela localidade: “Cinco graus Fahrenheit, quatro graus...três graus...”, diz o radialista atônito. E então, finalmente, ele anuncia: “se continuar assim, logo não sobrará mais nenhuma temperatura!”.¹

    Embora esse anedótico acontecimento demostre um grande desconhecimento sobre os princípios da termodinâmica, ele também nos traz à tona algumas questões interessantes relativas às escalas de temperatura. Muitos pesquisadores elaboraram suas próprias escalas, no entanto, atualmente as três mais importantes são: a escala Celsius, Fahrenheit e Kelvin. Enquanto as duas primeiras permitem números negativos (o que torna ainda mais injustificável a conclusão do locutor de rádio), a escala Kelvin é “adepta” ao conjunto ampliado dos números naturais, adotando a noção de zero absoluto.

O Movimento Granular

    Imagine uma festa onde pessoas dançam ao som de um repertório calmo e sereno. À medida que o tempo passa, e que os membros da festa tomam seus drinks, a música é substituída por uma melodia mais “eletrizante”, fazendo com que os convidados dancem euforicamente inebriados, de modo que hora ou outra alguém se choca com algum outro convidado; todos balançando de maneira mais ou menos aleatória, até que alguém diz: “a festa começou a esquentar”. O que isso tem a ver com termodinâmica e escalas de temperatura? Veremos.
    Num primeiro momento podemos ter a impressão de que um corpo sólido, como uma rocha, é algo completamente inerte, sem movimento, quando em repouso. No entanto, se pudéssemos ampliar essa rocha milhares de vezes, perceberíamos que os seus constituintes – pequenos grãos que chamamos de átomos - se movimentam numa dança mais ou menos aleatória. Quanto maior a energia do sistema, maior é a agitação dessas partículas, mais calorosa é a dança atômica. Mas, se as partículas que constituem os objetos estão em constante movimento, por que não vemos a matéria se desintegrar em pequenos grãos?
    A verdade é que vemos! Afinal, isso é exatamente o que acontece quando aquecemos a água e percebemos as suas moléculas de vapor subirem até que não possamos mais vislumbrá-las. Existem forças que atraem mutualmente as partículas atômicas e elas são puxadas umas pelas outras, formando moléculas que se agrupam entre si, o que, por sua vez, tende a gerar cristais periódicos.


    As Redes de Bravais, por exemplo, são modelos que os químicos utilizam para descrever as formas que muitos sólidos tidos como “cristais periódicos” preferem se organizar. O padrão no qual as moléculas de água se agrupam para formar os cristais de gelo demostra bem o caráter periódico, simétrico e fractal desses sólidos, diferenciando-se por seu turno dos sólidos amorfos. Quando aumentamos a temperatura desses objetos os movimentos moleculares tornam-se mais intensos, desordenando o material. Se usarmos esse mesmo raciocínio para uma porção de água que está em constante processo de aquecimento, temos que a energia cinética das moléculas da água se torna mais acentuada, de modo que elas em algum momento escapam e saem voando por aí. 

Temperatura e calor

    Cada objeto é um sistema físico dinâmico. Quando falamos em temperatura, estamos nos referindo a velocidade média das partículas que constitui determinado sistema físico. Qual a temperatura do vácuo? Falar em temperatura do vácuo faz pouco ou nenhum sentido, visto que o vácuo é, grosso modo, a ausência de partículas. Se não existem partículas se movimentando não há o que medir.

    A Energia Interna de um sistema, por outro lado, tem mais a ver com a energia total de determinado objeto. Por vezes, usa-se o termo calor e energia interna como sinônimos. Porém, o termo calor geralmente aparece na literatura científica como aquela energia que é transferida de um sistema físico a outro.

    Uma xícara de café recém preparada tem uma temperatura mais elevada se compararmos com a água de uma piscina, ou seja, suas partículas têm mais energia cinética em média e você poderá eventualmente “queimar” a língua ao tomá-la. Porém, a piscina possui mais calor do que a xícara de café, afinal ela tem muito mais átomos e a energia está distribuída ao longo da sua grande massa. Por isso, dificilmente você irá se queimar ao tocar na água da sua piscina. É importante salientar que, mesmo que hipoteticamente dividamos a água da piscina ao meio, ela permanecerá com a mesma temperatura, porém, cada parte terá uma quantidade de calor reduzida pela metade. Isso significa que a velocidade média das moléculas de água permanece igual, porém a energia total do sistema diminui, pois o volume de água foi reduzido pela metade ao ser dividido.

    Quando um corpo A, que está numa temperatura elevada em relação a B, entra em contato com este último, as partículas dos dois corpos interagem de tal forma que os átomos do corpo mais quente e que, portanto, tem mais energia cinética, chocam-se com os átomos do corpo mais frio na área de contato. Desse modo, as moléculas de B são aceleradas, pois recebem energia cinética das moléculas do corpo A. Assim, a temperatura de B aumenta, enquanto A perde energia no processo de transferência de calor. Como o conceito de temperatura se trata da velocidade das partículas que constitui determinados objetos, quanto mais agitada as partículas do sistema, mais temperatura ele deve ter. Caso esses objetos (A e B) permaneçam unidos, chegará um momento em que ambos terão a mesma temperatura, ou seja, A e B terão alcançado o equilíbrio térmico entre si.

    Embora, nossos sentidos possam medir de forma qualitativa variações de temperatura, através do tato ou da visão (objetos quando aquecidos em altas temperaturas emitem fótons que são visíveis a olho nu), não somos capazes de perceber a questão em termos de quantidade se não tivermos algum aparelho medidor, além disso, somos facilmente levados ao erro por nossos sentidos. 

    A maioria dos objetos quando aquecidos dilatam devido o demasiado movimento molecular e, como consequência, a densidade tende a tornar-se menor, pois os átomos encontram-se mais “espaçados” um dos outros, ao passo que em baixas temperaturas a distância média entre os átomos que formam a rede cristalina dos objetos diminui. 

    Podemos medir a taxa de expansão ou retração de determinada substância quando exposta a certas temperaturas e, assim, criar escalas termométricas de acordo com o grau de expansão do elemento escolhido para aferir indiretamente a sua temperatura.

    O ponto em que ocorrem as mudanças dos estados físicos de cada elemento varia muito, por isso, os termômetros têm limites que são inerentes aos compostos usados para fabricá-los. O mercúrio congela numa faixa de aproximadamente –38,9°C, portanto, medições abaixo dessa faixa tornam-se inviáveis. Nesses casos, usa-se o etanol para substituir o mercúrio. Como o álcool é incolor, adiciona-se corantes para melhor visualizá-lo, garantindo, desse modo, o sucesso da mensuração.

REFERÊNCIAS 

ABRAMOV, Dimitri Marques; MOURÃO JÚNIOR, Carlos Alberto. Biofísica essencial. Rio de Janeiro – RJ: Guanabara Koogan, 2012. 

AFONSO, JÚLIO CARLOS; CHAVES, Francisco Artur Braun et al. A termometria nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro – RJ: Revista Brasileira de Ensino de Física, v.28, n.1, 2006, p.101-114.

PRADO, Alexandre G.S.; TAVARES, Guilherme W. Calorímetro de gelo: uma abordagem histórica e experimental para o ensino de química na graduação. Brasília - DF: Química Nova, v.33, n.9, 2010, p.1987-1990. 

¹TYSON, Neyl Degrasse. Morte no buraco negro: e outros dilemas cósmicos. 1. ed., São Paulo – SP: Planeta, 2016. 

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